A VIOLÊNCIA QUE NÃO SE VÊ - O EDUCADOR E OS DIREITOS DA CRIANÇA
Ao nascer, o bebê é amparado por um colchão formado pela cultura que o recebe. Como numa teia, todas as referências que nortearão sua vida estão ali trançadas. É nos espaços vazios dessa teia que os sujeitos vão se constituindo e ocupando um lugar único, tão singular como seu nome próprio. As fantasias psíquicas são parte dessa construção.
Denominamos “fantasias psíquicas” as encenações imaginárias que tem por base as maneiras de lidar com os desejos.
Os sonhos, as brincadeiras, as estórias criadas, desenhadas, pensadas, em qualquer idade, são expressões das fantasias e são elaborados a partir de elementos da cultura que é coletiva e de elementos da experiência vivida por cada um.
Desde o momento em que o bebê põe a boca no seio inicia-se este processo de construção. Por exemplo: após mamar pela primeira vez o bebê pode sonhar que está mamando. Ao longo do tempo essas produções vão se tornando mais e mais complexas, de modo que aos seis anos uma criança pode criar uma incrível teoria sobre como nasceu Deus.
Quando uma criança nos mostra suas criações, está dando a sua contribuição ao mundo dizendo “eu sou autor dessa obra de arte, vejo assim, penso assim”.
Brincar, por sua vez, é viver num espaço “de faz de conta”, misto de realidade e fantasia, que permite desenvolver recursos internos: pensar, investigar, criar, solucionar insatisfações, dores psíquicas e excessos de tensão.
Na brincadeira as crianças podem experimentar com toda intensidade da vida real seus ódios, amores, ciúmes, desejos, sem as conseqüências, nem sempre desejáveis, das ações na realidade.
É função do educador proteger e cultivar essas produções, que quando são aviltadas configuram uma forma de violência psíquica.
Chamamos de violência psíquica todas as ações que anulam o sujeito, desrespeitando as manifestações de individualidade em relação a sentimentos, idéias ou desejos. A criança deve ser protegida de agressões, ameaças, insultos, comparações, humilhações e ironias, assim como de intervenções que desqualifiquem suas criações. Esta forma de violência é por vezes sutil, mas as marcas podem ser indeléveis. Ficam comprometidas as capacidades de pensar, desejar, investigar e se relacionar.
Entretanto, não podemos confundir esse respeito com ausência de limites. Ao contrário, é também função primordial do educador limitar a criança. O grande desafio é que esses limites tem que ser encontrados pelo educador a cada momento.
Helena Mange Grinover, Marcia Arantes
Psicólogas (USP), psicanalistas (Sedes Sapientiae), criadoras do projeto “A violência que não se vê”, aplicado nos núcleos sócio-educativos do Mosteiro São Geraldo, na cidade de São Paulo
*Artigo publicado na revista Viverde- ano5- edição 20- fev/março 2011